A filosofia e a antropologia atribuem à palavra alteridade o sentido de colocar-se no lugar do outro, numa relação interpessoal, colaborando para que ocorra um diálogo entre as culturas, as religiões, as crenças, onde um aprende com o outro e as convicções diferentes são respeitadas.
Não significa que seja necessário abandonar nossos valores por princípios diferentes dos nossos, mas significa respeitar a crença do próximo, e até reafirmar valores esquecidos. Assim, podemos dizer que o conceito de alteridade pode dar subsídio para o fortalecimento das raízes que se tornaram vulneráveis com o tempo.
Um exemplo que podemos citar é quando um cristão visita a Índia e se depara com a prática de tirar os sapatos ao entrar no templo, como sinal de respeito pelo lugar sagrado. Esse ato pode lembrar o cristão de que deve ser reverente na casa de Deus e de que o silêncio é uma forma de oração. Tanto o barulho como as conversas desnecessárias podem atrapalhar a meditação.
Esse conceito tem uma estreita relação com a sociabilidade, pois o “eu” só existe a partir da percepção da presença do outro. O aprendizado ocorre nas relações que se estabelecem com esse “outro” nas muitas experiências e vivências, quando se constatam as diferenças.
Na prática da alteridade não existe a preocupação com a destruição da outra cultura em seu modo de agir, pensar ou falar. A alteridade leva à cidadania, estabelecendo-se uma relação construtiva com a diferença, identificando-a e aprendendo com ela.
O antropólogo Carlos Rodrigues Brandão resume, desta forma, a relação com o diferente: “O diferente é o outro, e o reconhecimento da diferença é a consciência da alteridade, isto é, a descoberta do sentimento que se arma dos símbolos da cultura para dizer que nem tudo é o que eu sou e nem todos são como eu sou. Homem e mulher, branco e negro, senhor e servo, civilizado ou não”.
João Frayze Pereira, professor de Psicologia da USP, sugere que sem a possibilidade de estabelecer relações com o outro, todas as Ciências Humanas não existiriam, pois seria difícil compreender as relações humanas; sem elas, não seria possível haver comunicação entre os seres sociais, porque o ser humano é único e reflete a singularidade e a potencialidade de suas histórias, experiências e vivências.
Para compreender o outro é necessário olhar para o paradigma do outro, para os valores do próximo, pois somos o que somos não só porque queremos, mas porque também somos fruto do meio em que vivemos, dos encontros que a vida nos proporciona. O respeito ao outro é, sem dúvida, a melhor forma de buscar crescimento e enriquecimento cultural, pois assim se evita a arrogância, a intolerância e o preconceito, quer seja ele racial, cultural ou religioso.
É primordial a práxis para se alcançar a alteridade na associação de uma prática reflexiva com o cotidiano. É dessa forma que o ser humano conquista sua liberdade e deixa de ser uma marionete da sociedade e passa a ser o sujeito da História. Logo, a alteridade não é algo distante de nós. É possível respeitar o outro sem preconceitos, e para isso não é preciso descaracterizar nossa cultura e nossa religião.
É na humanidade de Cristo e em sua capacidade de entender o outro que encontramos o maior exemplo de alteridade. É a partir dessa compreensão de humanidade que podemos nos compreender em nossas unidades humanas e em nossas práticas.
Hoje é muito comum que os noticiários apresentem, entre outros temas, brigas de gangues e de torcidas organizadas, simplesmente por dividirem espaços públicos comuns. Pessoas são mortas por vestirem a camisa de outro time de futebol, mulheres são agredidas e violentadas por serem fisicamente vulneráveis, pessoas são diminuídas por ter a cor da pele diferente e outras são queimadas na rua por não terem infraestrutura financeira. Uma sociedade intolerante, sem alteridade, se torna violenta e preconceituosa.
Sociedade violenta é aquela em que impera a ignorância e o preconceito. No âmbito escolar essa situação se configura na prática do bullying. Dados recentes revelam que: “um em cada cinco adolescentes pratica bullying no Brasil. A prática, mais comum em grupo e entre meninos, tem como vítima 7,2% dos estudantes consultados em nova pesquisa do IBGE feita com alunos do 9º ano”.
A conscientização da alteridade é prioritária em uma sociedade democrática que luta pelos direitos dos cidadãos. Na realidade, é papel da disciplina de Sociologia no Ensino Médio trabalhar os aspectos sociais, de forma a desenvolver uma conscientização das desigualdades sociais, como diz Pedro Demo, ou, como afirma Allan Johnson, “é um estudo da vida e do comportamento social, sobretudo em relação a sistemas sociais, como eles funcionam, como mudam, as consequências que produzem e sua relação complexa com a vida dos indivíduos.”
Para o exercício da cidadania é fundamental que o ser humano consiga olhar além de si, pois o vislumbre do outro promove crescimento cultural, pessoal e espiritual. Isso se revela em uma sociedade mais tolerante com as diferenças – que promove mais oportunidades coletivas e individuais – o que contribuirá para o seu desenvolvimento.